No dia 17 de maio foi celebrado o Dia Internacional Contra a LGBTfobia. A data passou a ser o símbolo dessa causa em 2005, e foi escolhida por ter sido o dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, quinze anos antes.
Desde então esse é um dia que tem como objetivo coordenar eventos internacionais que aumentem a conscientização sobre violência, discriminação e repressão de comunidades LGBTQI+ em todo o mundo, o que, por sua vez, oferece uma oportunidade de agir e dialogar com a mídia, legisladores, opinião pública e sociedade civil em geral.
A comunidade LBTQI+ ainda vive num cenário em que atitudes preconceituosas a pessoas LGBTI+ estão profundamente arraigadas globalmente, expondo lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI+) de todas as idades a violações dos direitos humanos.
No Brasil os dados são alarmantes, o país continua sendo a nação onde mais LGBTIs são assassinados, com uma morte a cada 29 horas. Em 2021, trezentos LGBTI+ sofreram morte violenta, 8% a mais do que no ano anterior, com 276 homicídios (92%) e 24 suicídios (8%). Tal situação posiciona o país como um lugar culturalmente perigoso para essa população.
A região Nordeste conta com o maior número de mortes violentas, com 35% dos casos, seguida do Sudeste, com 33%. Na análise por estado, São Paulo é o estado onde ocorreu o maior número de mortes, 14% delas, seguido pela Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
As informações são do Relatório de Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil (2021), que tem a função de Observatório e a coleta dos dados têm como fontes primárias as notícias publicadas nos meios de comunicação do Brasil e são analisadas pelo Grupo Gay da Bahia, há mais de quarenta anos seguidos.
Em relação à criminalização da LGBTfobia, vários projetos estão em tramitação no Congresso Nacional, mas diante da demora da casa legislativa em editar uma lei que criminaliza atos de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, o Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2019, por maioria da Corte, incluiu a conduta na Lei de Racismo (7716/89) e que já previa crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. Desde então, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passou a ser considerada um crime em todo o território nacional.
De acordo com o relatório temático sobre pessoas trans e de gênero diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), ambos órgãos da Organização dos Estados Americanos (OEA), as pessoas LGBTI+, as pessoas trans e de gênero diverso são aquelas que se encontram expostas aos maiores níveis de vulnerabilidade e costumam ser vítimas de maiores níveis de exclusão, estigma e preconceito social, o que as impede de ter acesso a direitos básicos e ao desenvolvimento de seu potencial em situação de igualdade.
Visando a inclusão de pessoas LGBTI+ na sociedade com iniciativas de formação de lideranças, pesquisa, conscientização e segurança, a organização sem fins lucrativos, TODXS, tem feito um trabalho com vários projetos que trazem programas de formação, eventos para compartilhar experiências, acesso a legislação relacionada com a causa LGBTI+, aceleradora de negócios sociais, consultoria especializada em Diversidade e Inclusão, acolhimento psicológico, entre outros.
Conversamos com a Jully Neves, mulher negra, lésbica, neuroatípica e nordestina, que atualmente é diretora de Impacto da TODXS Brasil. Ela falou um pouco da atuação da ONG junto a defesa das pessoas LGBTI+ em todas as regiões do país e na parceria com empresas e instituições promovendo diversidade e inclusão.
IN – Como surgiu o TODXS? Qual o foco de atuação da ONG?
JN – Em 2016, em Fortaleza, Ceará, um casal foi convidado a se retirar de um bar. O motivo era porque o casal estava de mãos dadas e, por isso, incomodando o “ambiente familiar”. O casal foi expulso do local por ser gay e este foi o real motivo da expulsão. A partir dessa história, Willian Mallmann e outros amigos e amigas fundaram a TODXS, uma startup social sem fins lucrativos.
IN – Quem pode procurar o auxílio do TODXS e em que situações?
JN – Empresas que buscam desenvolver políticas e projetos voltados para diversidade e inclusão, pessoas que desejam ser voluntárias na causa LGBTI+ (aceitamos pessoas que não seja LBGTI+ para ser voluntárias), pessoas LGBTI+ que desejam formação e desenvolvimento para si e para seus projetos.
IN – Quais projetos são realizados pela ONG?
JN – Temos cinco principais.
TODXS Pesquisa – que coleta dados a nível nacional sobre comunidade LGBTI+ com o objetivo de entender, por exemplo, o real tamanho da comunidade, seu nível educacional e índices de empregabilidade. Dados que poderão ser usados para formular novas e mais efetivas políticas públicas para o Brasil.
TODXS Embaixadorxs: capacitação de jovens líderes LGBTI+ de todo o Brasil. São oferecidas oficinas e treinamentos online nas áreas de comunicação, liderança e empreendedorismo. O programa tem como objetivo final empoderar jovens para torná-los agentes da mudança no país.
TODXS Impacto: incubação de projetos sociais focada em tirar ideias do papel e viabilizar impactos em larga escala nas comunidades onde a TODXS ainda não consegue alcançar. O TODXS Impacto tem duração de 6 meses e também oferece financiamento semente.
TODXS Conecta: conferência anual com o objetivo de inspirar e “quebrar a invisibilidade” de pessoas LGBTI+ que fazem a diferença positiva em diferentes áreas e setores no Brasil, como educação, política, arte, empreendedorismo e negócios.
TODXS Consultoria: reestruturação de cultura institucional focada em inclusão e diversidade da comunidade LGBTI+ através de serviços como recrutamento inclusivo, políticas de afirmação interna, treinamentos, palestras, aconselhamento de marketing e suporte em crises de relações públicas.
IN – Quais os principais desafios para a comunidade LGBTQI+?
JN – A falta de participação e apoio do governo em suas várias instâncias para promover políticas e leis para a população LGBTI+. Sem a participação do Estado as organizações sociais ficam muito limitadas em suas ações e projetos. Precisamos também entender que a falta de educação (a começar pela escola) e o acesso a renda é uma das bases para diminuir a lgbtfobia da qual nós sofremos.
IN – Vocês enxergam avanços? Mesmo com a realidade atual em relação a LGBTIFobia?
JN – Em 2019, o Supremo Tribunal Federal determina que discriminação contra pessoas LGBT é crime. Em 2020, STF suspende restrições para doação de sangue por homossexuais. Em 2020, a Lei Maria da Penha é aplicável à violência contra mulher trans. Todas essas notícias nos mostram o quanto estamos avançando ainda a passos lentos, porém estamos cada vez mais fortes. É inegável que as ONGs, sociedade civil e outras instituições têm um papel fundamental para os avanços no combate à LGBTfobia e na garantia de direitos para com as pessoas LGBTI+. Acredito, luto e trabalho por um mundo justo, próspero e solidário para todas as pessoas e com a TODXS consigo estar mais próxima desses avanços. Os sonhos tornam-se realidade.
IN – Que iniciativas tomar para combater a LGBTIFobia?
JN – Em primeiro lugar a educação, educação e educação. Sem informação e educação continuaremos sendo o país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo. Além de leis mais rigorosas e inclusivas para garantir os direitos da população LGBTI+.
IN – Vimos no site de vocês algumas metas para 2022. Algumas delas foram atingidas?
JN – Nossas metas estão caminhando para serem alcançadas. Em junho, lançaremos o TODXS Embaixadorxs e abriremos 500 vagas para formação de pessoas LGBTI+ com patrocínio da Nívea. Ente junho e julho divulgaremos as duas últimas pesquisas do bloco nacional, nas temáticas de participação política e discriminação. Até o final do ano novas metas serão alcançadas!
Publicado em: https://impactanordeste.com.br/sem-informacao-e-educacao-continuaremos-sendo-o-pais-que-mais-mata-pessoas-lgbti-no-mundo-afirma-diretora-do-todxs/